Os impactos da Inteligência Artificial na Manutenção Técnica
Se recuarmos alguns anos no tempo, é seguro afirmar que a expressão Inteligência Artificial, ou IA como normalmente é chamada, era para a maioria das pessoas algo distante do seu quotidiano e remetia-nos para alguns dos filmes ou livros mais icónicos de ficção científica. Contudo, o panorama atual é completamente diferente. A importância nos media, a quantidade de soluções e ferramentas com recursos de IA, com que somos inundados diariamente, e as potencialidades adjacentes garantem a nossa atenção.
Apesar do conceito ter surgido há várias décadas (John McCarthy, 1956), só nos últimos anos se viram reunidas as condições tecnológicas necessárias para que a sua utilização em massa fosse possível. Desde logo, o desenvolvimento da internet e das comunicações de alta velocidade, os avanços computacionais, o aparecimento dos smartphones, a crescente oferta de cloud computing, permitindo o acesso generalizado a supercomputadores num custo acessível, o desenvolvimento dos softwares de programação e dos próprios algoritmos aplicados na IA e, não menos relevante, a disponibilidade e acesso a grandes volumes de dados têm permitido isso, através da digitalização.
Estamos na era do big data e a quantidade de informação que se gera diariamente é algo de extraordinário (≈ 328,77 Milhões de Terabytes/dia). No entanto, a verdade é que nem todos os dados interessam ou têm qualidade. É necessário tratar, normalizar, catalogar, criar estruturas próprias organizacionais, depurar erros e prepará-los para “consumo”.
Capacidade tecnológica à parte, é nos dados que reside a matéria-prima para o bom funcionamento dos algoritmos de IA. Por melhor e mais eficiente que o algoritmo seja, se a amostra de dados for de baixa qualidade, imprecisa ou limitada, os resultados produzidos vão perpetuar essas deficiências, podendo até desacreditar aquilo que seria um projeto interessante a desenvolver com os recursos de IA. Se pensarmos no campo da Manutenção Técnica, podemos dividir os dados base de serviço dos ativos em dois grandes grupos: aqueles que são provenientes dos sistemas de monitorização, sejam eles por via das GTC – Gestões Técnicas Centralizadas, equipamentos de IoT – Internet of Things, ou diretamente das controladoras dos ativos, e aqueles que têm origem na ação humana, que descrevem as intervenções históricas sobre os ativos e que geralmente são registados nos softwares de gestão da manutenção ou até mais recentemente, nos modelos BIM – Building Information Modeling.
Cada grupo de dados, apresenta as suas particularidades para poderem ser utilizados convenientemente nos modelos de IA. A monitorização,por exemplo, possibilita o acesso a um grande volume de dados, mas geralmente o que nos interessa, da análise, são as anomalias ou as tendências que levaram às anomalias nos ativos. Situação que pode depender de uma variável em particular ou da combinação de várias variáveis, direta ou indiretamente relacionadas com os ativos (exemplo: carga em serviço, o n.º de horas de trabalho ou até as condições de funcionamento ambientais). Em determinados casos, a cadência destas ocorrências pode ser tão baixa, que não se conseguem tirar dados úteis numa janela temporal aceitável. E, apesar de ser possível ampliar a amostra, avaliando em simultâneo ativos iguais ou equivalentes, há que garantir que essa análise, às variáveis de funcionamento (diretas e indiretas), é realizada nas mesmas condições, o que pode aumentar a complexidade dos modelos e das extrapolações necessárias.
Na vertente das intervenções históricas sobre os ativos, os dados são altamente dependentes da componente humana e por maior que seja a maturidade e rigor das equipas técnicas que fazem o acompanhamento e registo, o fator da individualidade e interpretação de cada pessoa vai sempre condicionar a uniformidade dos registos. Existem, portanto, grandes desafios na gestão dos dados, para que a IA possa contribuir de uma forma generalizada e positiva na melhoria dos processos do setor, quer na componente estratégica de gestão, quer no apoio à operação. Ainda assim, gradualmente, temos vindo a assistir a um crescente número de empresas e entidades do sistema científico e tecnológico, a lançar produtos comerciais e pilotos, que já possibilitam retirar proveito das potencialidades da IA na área da Manutenção Técnica.
Um dos temas mais prementes da atualidade é o desenvolvimento de modelos de manutenção preditiva dinâmicos, que tenham em conta as condições de operação suportadas pelos sistemas de monitorização e o histórico de intervenções, reduzindo o tempo despendido em cada ativo, ao estritamente necessário, num balanço entre custos eficiência e vida útil. Outro campo de aplicação é a operação autónoma dos sistemas de monitorização e gestão técnica centralizada, onde a gestão dos alarmes, o controlo dos equipamentos, a regulação de setpoints e horários passam a ser feitos de forma autónoma e dinâmica pelos algoritmos de IA, com base na utilização do espaço, preferência dos utilizadores, condições ambientais, eficiência energética, entre outras variáveis (Edifícios Vivos).
Os próximos passos vão envolver o desenvolvimento de assistentes virtuais personalizados, que possibilitem um aumento da performance de cada colaborador, expandindo as suas capacidades de análise, perceção, execução e decisão, independentemente das funções que devem desempenhar na organização. Um caso prático pode ser visto nas aplicações de realidade aumentada, que podem integrar assistentes virtuais para apoio à resolução de falhas técnicas. Esta e outras ferramentas semelhantes irão mitigar o efeito da redução de pessoas qualificadas no mercado de trabalho, porque vão permitir uma inclusão mais célere dos novos colaboradores com menos experiência.
A médio prazo, existe ainda uma margem significativa para a evolução da IA, com o amadurecimento das aplicações, bem como dos bancos de dados, que servem de base à tecnologia.
Caminhamos para que as ferramentas de IA estejam cada vez mais preparadas para assumir o controlo dos esqueletos mecânicos, que a robótica tem vindo a aperfeiçoar ao longo dos anos, aumentado assim a sua esfera de influência no campo
Leia o artigo na Edição 160/161 da Revista Manutenção.